quinta-feira, 3 de novembro de 2011

ARTIGO

Alaor Lopes Menezes Filho



ARTIGO:
“Ler histórias para crianças, sempre, sempre...”
Procurando desenvolver as oportunidades culturais através do acesso à obras de qualidade, a literatura infantil será abordada, em nossa análise, como informação estética, sem intenções pedagógicas. O livro, apreciado na sua totalidade, deve ser visto como um produto, competindo no mercado e tendo necessidade de se ajustar aos interesses de um público cada vez mais exigente.

Cunha, citado por MARTUCCI (1999, p.3), explicita que:

“na medida em que tivermos diante de nós uma obra de arte, realizada através de palavras, ela se caracterizará pela abertura, pela possibilidade de vários níveis de leitura, pelo grau de atenção e consciência a que nos obriga, pelo fato de ser única, imprevisível, original, enfim, seja no conteúdo, seja na forma. Essa obra, marcada pela conotação e pela plurissignificação, não poderá ser pedagógica, no sentido de encaminhar o leitor para um único ponto, uma única interpretação”.
Tanto a literatura infantil estrangeira como a nacional, constituem objeto de estudo no processo de formação e utilização do acervo. Obras como a de Nelly COELHO (1995), contribuem para o conhecimento da divisão histórico-literária da literatura infantil brasileira, em seus vários períodos, tendo em Monteiro Lobato um marco divisor de épocas:

“- precursora: período pré-lobatiano (1808-1919)
-moderna: período lobatiano (anos 20/70)
- pós-moderna: período pós’-lobatiano (anos 70/...)”

Relata ainda, (ibid, p. 57) que “foi em pleno período de confronto entre o tradicional (formas já desgastadas do Romantismo/Realismo) e o moderno(representado pelo Modernismo de 22) que Monteiro Lobato inicia a invenção literária que cria o verdadeiro espaço da literatura infantil no Brasil”.

Segundo ZILBERMAN (1994), a literatura infantil até Lobato não apresentava uma temática nacional, reproduzindo os padrões vindos da Europa. Ele consegue romper esse círculo, aproveitando nossas tradições folclóricas e seu êxito se deve aos seguintes fatores:

- personagens que se repetem em todas as narrativas;
- emprego de crianças como heróis, promovendo imediata identificação com o leitor;
- ausência de autoritarismo e de imagens adultas repressoras;
- a opinião das crianças personagens é respeitada;
- a curiosidade e a criatividade são estimuladas.

Nossa História

Desde abril de 2008, quando a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato foi reinaugurada, com a nova diretoria foi feito uma parceria com a Fundação Pedro Calmon e implantamos alguns programas e projetos de atividades culturais, relacionando teatro, leitura, ludicidade na educação, visando atender principalmente o público de 1º e 2º graus, começaram a ser implementados com o objetivo primordial de promover o uso do livro e da Biblioteca, de forma agradável, atraente e eficiente. Até então, nossa Biblioteca era uma típica biblioteca infantil, atendendo as necessidades de ensino e pesquisa como tantas outras.

Os Novos Programas

Algumas iniciativas, como a Arte na Biblioteca, acabaram se transformando em Laboratório para as atividades de incentivo à leitura, onde começamos a trabalhar com as técnicas de contar histórias. A aceitação e resultados foram surpreendentes pois não só o público infantil começou a ser beneficiado, como professoras da rede municipal e estadual, alunos dos cursos de graduação em Letras, Psicologia, Terapia Ocupacional, Pedagogia e Biblioteconomia, da própria Universidade, que interessados nesse envolvimento prático, foram nos alertando para essa demanda reprimida e necessidade de outros programas de extensão, e nos impelindo a extrapolar nossos limites geográficos. Acabamos saindo da sala de leitura infantil e nos aventuramos em outros universos: as praças, as escolas, os postos de saúde, atendendo à comunidade externa da cidade e região, atingindo um contingente heterogêneo, um novo público, usuários em potencial dos demais serviços tradicionalmente oferecidos.

Nessas atividades de leitura nos coube o melhor pedaço: a leitura pelo prazer. Sem cobrança pelo conteúdo pedagógico ou informativo do texto. Sem impor barreiras ao manuseio do livro como objeto lúdico. Tentamos retomar a “história em meiguice” descrita por Malba TAHAN (1957), atraindo a criança para o contato com o livro e a leitura, sentando junto, acompanhando as reações, estabelecendo laços de intimidade, que muitas vezes duram pouco, mas são intensos.

A importância da história

O texto literário, como obra de arte, exerce grande influência no desenvolvimento da humanidade, pois tratando da universalidade dos conflitos e sentimentos inerentes ao crescimento pessoal e compreensão do mundo, desempenha um papel libertador e transformador. Ouvindo histórias, crianças e adultos podem apresentar reações que manifestam seus interesses revelados ou inconscientes e conseguem vislumbrar nas narrativas, soluções que amenizam tensões e ansiedades.

Assim, além de acreditar no poder da história e na magia e atração que exerce o contador sobre seus ouvintes, muitos estudos relatam sua importância no desenvolvimento infantil, por ser recreativa, educativa, instrutiva, afetiva (alargando horizontes, estimulando a criatividade, criando hábitos, despertando emoções, valorizando sentimentos) e física (ajudando na recuperação de crianças enfermas e hospitalizadas). Estimula também a socialização, desenvolve a atenção e a disciplina.



O público alvo

“Ler histórias para crianças, sempre, sempre...”(ABRAMOVICH, 1994, p.17)

As impressões e lembranças da infância sempre nos acompanham: a história antes de dormir, as férias na casa da avó que contava “causos”, a leitura gostosa e descontraída à sombra de um árvore.

Histórias sem texto escrito, para bebes; narrativas curtas para crianças pequenas, com bichinhos, objetos do cotidiano para adequar aos interesses, como diz Betty COELHO (1989). Histórias de repetição e movimento para crianças da fase mágica (3 a 6 anos); de encantamento, de fadas, de aventuras para crianças na idade escolar; de ação e amor para meninos e meninas na pré-adolescência e as engajadas com o universo, com os problemas sociais, para adolescentes que sonham em mudar o mundo.

Adultos também se interessam por histórias. Se adulto não gostasse de histórias as novelas não teriam tanto sucesso... . Antes do início de uma reunião de pais, porque não contar uma história que aborde um problema a ser solucionado?

Quantas oportunidades de leitura não são aproveitadas, pelo simples fato do hábito de ler para os outros, em voz alta, não fazer parte de nossos hábitos.

Como contar histórias?

As técnicas de contar histórias se mesclam com as qualidades necessárias ao contador ou narrador. Podemos citar, apenas enumerando, as que mais se destacam:

- verificar o local, horário e as acomodações;

- conhecer o público a que se destina e ter o dom de encantar e dominar o auditório;

- conhecer o enredo com absoluta segurança;

- narrar com naturalidade, sem afetação, com voz clara e expressão viva;

- enfatizar os pontos emocionantes da história através das variações de tonalidades de voz e pausas oportunas;

- sentir/viver a história, emocionando-se com a própria narrativa;

- não romper o fluxo da narrativa com conselhos e explicações;

- não perder o fio da meada quando estiver fazendo uso do livro ou outro elemento ilustrativo;

- tirar partido de pequenos incidentes, sem interromper a história;

- evitar tiques e cacoetes;

- tratar o ouvinte com simpatia e camaradagem, sem adotar um ouvinte predileto;

- não demonstrar irritação com a presença de ouvintes desinteressados ou irrequietos;

- chegar aos desfecho sem apontar a moral ou aplicar lições;

- estar aberto para comentários após a narrativa.

Contar histórias é saber criar um ambiente de encantamento, suspense, surpresa e emoção, onde enredo e personagens ganham vida, transformando tanto narrador como ouvinte. Deve impregnar todos os sentidos, tocando o coração e enriquecendo a leitura do mundo na trajetória de cada um.

E, como conclui CHIAVINI (1994, p. 473):

“Como é fácil lidar com os pequenos... Eles aceitam incondicionalmente as ofertas sinceras, deixam-se cativar sem medo por tudo aquilo de que possam auferir prazer, e nos contagiam com o gosto com o qual se envolvem nas tarefas propostas. E são reconhecidos”





Onde a história deve ser contada?

Como a literatura infantil é muito associada à missão pedagógica do livro e da leitura, o primeiro lugar que nos ocorre para que a narração se realize é a escola. E, indiscutivelmente, é o lugar onde ela mais encontra aplicabilidade.

Independentemente do local, os ouvintes devem estar bem acomodados, em círculo ou colunas, sentados no chão, em tapetes ou almofadas, livres de outros barulhos, em ambiente com conforto térmico, em horário adequado e outros cuidados desse tipo. Contar histórias para crianças cansadas, com fome, com vontade de ir ao banheiro não é nada gratificante!

A Mediação de Leitura

É comum o contador de histórias se sentir inibido ou despreparado, por não possuir todas as aptidões ideais para narrar satisfatoriamente uma fábula, história ou poesia.

A mediação de leitura, outra modalidade de incentivo ao hábito de ler utilizada na BCo, transforma a atividade de leitura em rotina, sem exigir do mediador grandes habilidades artísticas. Qualquer pessoa que saiba ler adequadamente e que goste de trabalhar com literatura e pessoas (crianças e adultos), pode e deve participar dessa experiência.

Através da mediação de leitura a grandiosidade do texto é preservada. A tendência de simplificação das palavras difíceis a fim de facilitar a compreensão, que ocorre no texto narrado, não acontece quando ele é lido na íntegra.

Outro aspecto importante nessa atividade de leitura é a coleta de dados de cada experiência de mediação. Em formulário próprio são anotadas as obras solicitadas pelas crianças, as principais reações observadas e os progressos individuais no comportamento social, no desenvolvimento do vocabulário e no envolvimento com os livros. Graças a esta documentação, temos reunido uma série de relatos de adultos e crianças que contribuem para as discussões da equipe de mediadores, na troca de experiências e planejamento de atividades futuras.

“A rede afetiva que se estabelece entre todos, através dos livros, abre um espaço no qual cada criança pode expressar-se, ouvir e contar histórias ou ainda ficar em silêncio, sem a necessidade de produzir conhecimentos específicos. Nessa situação as crianças, cada uma de sua maneira, está produzindo conhecimentos, mas não os necessariamente pré-determinados pelo adulto. Ou seja, ela está aumentando seu repertório cultural, seu imaginário, sua linguagem; está tendo possibilidade de escolha de livros e de parceiros para a sua leitura e, além disso, pode conhecer outras visões de mundo e estabelecer relações com sua realidade” (ABRINQ, 1999, p.6).

Conclusão

À partir do pressuposto de que o texto literário tem autonomia de significação pois cria regras próprias de comunicação entre autor e leitor, são analisadas as atividades de incentivo à leitura desenvolvidas pela Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, junto à comunidade externa de 1º e 2º graus, considerando as diversas modalidades recomendadas na literatura da área, com ênfase na mediação de leitura. Destacando a importância da leitura em todos seus programas, propõem explorar o livro e a literatura infanto-juvenil em todos os seus aspectos (forma de narrativa, conteúdo, ilustração, papel, formato), respeitando-se a relação entre texto e imagem. Através da história contada, em suas diversas modalidades, desde a encenação teatral até o uso de pequenos recursos visuais, como indumentária de personagens e objetos referentes ao tema, a literatura tem sido oferecida como atividade lúdica. Já através da mediação de leitura, procura-se introduzir o livro como rotina no incentivo ao hábito de ler, permitindo ao jovem leitor, amplo acesso ao material impresso, como forma de realização da leitura global, fiel ao texto em toda a sua originalidade e aspectos físicos da obra, com o objetivo de “abrir janelas” e permitir que cada criança seja atraída pelo detalhe de narrativa ou ilustração que a encante na sua própria descoberta.

Destacamos os Programas “Arte na Biblioteca” e o PROLER – Projeto de Leitura.

Todas as atividades culturais desenvolvidas nesses quase três anos, que distinguem a Biblioteca Comunitária e entusiasmam colaboradores e parceiros, estão imbuídas da crença de que é impossível gostar das coisas que desconhecemos. E não queremos que o livro continue sendo um ilustre desconhecido, principalmente da comunidade carente.

Referências Bibliográficas

CHIAVINI, V.L.M. Contar histórias é fazer arte. São Carlos : UFSCar, 1994. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos.

COELHO, B. Contar histórias; uma arte sem idade. 2.ed. São Paulo : Ática, 1989.

MARTUCCI, E.M. Aprendendo a contar histórias. In: _______. Formação de contadores de histórias. São Carlos : UFSCar, 1999. (Apostila)

TAHAN, Malba. A arte de ler e de contar histórias. Rio de Janeiro : Conquista, 1957.

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